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Tem duende?
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Tem duende?

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Outro dia, José Miguel Wisnik falou sobre esse texto do duende e eu corri ler. Ele vem de uma conferência, “Teoria e Jogo do Duende”, que o espanhol Federico Garcia Lorca deu em Buenos Aires, em 1933. O duende a que ele se refere normalmente está associado à cultura flamenca, mas Lorca o define como um conceito artístico universal.

Li meus (muitos) trechos favoritos em seguida num áudio de quase 5 minutos… Colei aqui embaixo a transcrição dos pedaços que li, caso alguém queira acompanhar ou prefira ler. E para os mais animados, segue a íntegra aqui.

Tem duende quando Maria Bethânia lê poesia e canta:

Tem duende aqui na praia com esses amigos batendo palmas flamencas. E também quando a Tina Weymouth dança tocando baixo:

George Harrison com seu duende de estimação <3

Transcrição:

…Vou procurar dar-lhes uma simples lição sobre o espírito oculto da dolorida Espanha.

ouve-se dizer com certa freqüência: "Este tem muito duende". Dizia a alguém que cantava: "Tu tens voz, conheces os estilos, mas jamais triunfarás, porque tu não tens duende".

as pessoas falam constantemente do duende e o descobrem naquilo que sai com instinto eficaz. O maravilhoso cantador dizia: "Nos dias em que canto com duende não há quem possa comigo"; a velha bailarina cigana exclamou um dia, ao ouvir Brailowsky tocar um fragmento de Bach: "Olé! Isso tem duende!"

Goethe, que define o duende ao falar de Paganini, dizendo: "Poder misterioso que todos sentem e nenhum filósofo explica".

"O duende não está na garganta; o duende sobe por dentro a partir da planta dos pés".

Ou seja, não é uma questão de faculdade, mas de verdadeiro estilo vivo; ou seja, de sangue; ou seja, de velhíssima cultura, de criação em ato.

Todo homem, todo artista, dirá Nietzsche, cada degrau que sobe na torre de sua perfeição é às custas da luta que trava com um duende… A verdadeira luta é com o duende.

Os caminhos para buscar a Deus são conhecidos, (…) para buscar o duende não há mapa nem exercício.

Os grandes artistas do sul da Espanha, ciganos ou flamengos, quer cantem, dancem ou toquem, sabem que não é possível nenhuma emoção sem a chegada do duende.

A chegada do duende pressupõe sempre uma transformação radical em todas as formas sobre velhos planos, dá sensações de frescor totalmente inéditas, com uma qualidade de rosa recém criada, de milagre, que chega a produzir um entusiasmo quase religioso.

Em toda música árabe, dança, canção ou elegia, a chegada do duende é saudada com enérgicos "Alá, Alá!", "Deus, Deus!", tão próximos do "Olé!" dos touros que talvez seja o mesmo…

Todas as artes são capazes de duende, mas onde ele encontra maior campo, como é natural, é na música, na dança e na poesia falada, já que elas necessitam de um corpo vivo que interprete.

A virtude mágica do poema consiste em estar sempre enduendado para batizar com água obscura a todos os que o vêem, porque com duende é mais fácil amar, compreender, e é certeza ser amado, ser compreendido.

O duende opera sobre o corpo da bailarina como o vento sobre a areia.

E é impossível que ele se repita, isso é muito interessante de sublinhar. O duende não se repete, como não se repetem as formas do mar na tempestade.

O duende… Onde está o duende? Pelo arco vazio entra um ar mental que sopra com insistências sobre as cabeças dos mortos, em busca de novas paisagens e acentos ignorados; um ar com cheiro de saliva de menino, de erva pisada e véu de medusa que anuncia o constante batismo das coisas recém criadas.

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