Já não sei se é porque moro fora do Brasil há quase 17 anos ou se é meu Saturno no ascendente em Virgem (!). Só sei que não consigo não arrumar minha própria cama. Ousaria dizer que tenho uma quase-fobia de preguiça e fazer a cama acaba entrando nessa categoria do — “pronto, o dia começou, simbora!”.
Vincent van Gogh — The Bedroom, 1888
Tem até um livrinho americano famoso, “Make Your Bed” que fala disso — é o primeiro passo em direção às atividades do dia, uma atitude “pequena” que faz toda a diferença.
Um “sinal de respeito” com aquela nova jornada que começa. Sem contar que visualmente também tranquiliza a mente — a gente olha para trás e a cama já está lindona, organizadinha. Seu quarto já dando o tom do cenário desse novo dia. Acredito que organizar a casa, em geral, faz com que o browser do nosso cérebro possa fechar abas e, assim, focar nos outros assuntos pendentes.
Outra coisa: a cama nos deixa na horizontal — literalmente paralelos ao horizonte. Ao levantar e enfrentar o dia, criamos essa verticalidade — uma espécie de plano Cartesiano, onde a ordenada e a abcissa formam um X e tudo se estrutura. Esse contraste perpendicular do corpo ereto e vertical com o horizonte, o chão, e a cama, são também outro passo fundamental dessa atitude inicial, tão simples e importante.
Como diz meu amigo Guga Chacra, não é tanto sobre a rotina, mas sobre “criar rituais”. Ou como define Dave Hickey, o crítico de arte americano: “não tenho religião, mas faço algumas coisas de forma religiosa”. Outro dia, esbaforida, acabei não arrumando a cama e senti que o dia ficou todo de cabeça para baixo. Práticas que podem fazer bem ao espírito.
Tracey Emin — My Bed, 1998
A icônica cama de Tracy Emin representa o caos que era a vida emocional da jovem artista na época em que fez a instalação — leiloada uns anos atrás por US$ 3.7M. O estado do colchão onde a gente dorme se torna um raio-x das nossas vivências mais íntimas e, por que não?, um reflexo da forma como levamos nossa vida.
Daria para dizer que se no dia 1/1 de cada ano nos preocupamos em fazer rituais de boa sorte como pular ondas, listar resoluções e/ou finalmente começar aquela ginástica/curso de inglês/dieta, para de fumar/beber/comer doce, também deveríamos dar essa importância ao momento inicial do dia. Que tom você dará a esse presente que você acabou de ganhar?
PS: e essa competição de quem arruma a cama melhor e mais rápido? 😁
Robert Rauschenberg — Bed, 1955
Depois de escrever, ouvi um podcast que fala da cruz como símbolo religioso por ser uma intersecção de duas polaridades — o horizontal e o vertical! Elefantes na Neblina, episódio 87, Eu Faria Tudo de Novo. Olha só! A existência humana existe nessas intersecções — certo errado, direita esquerda, passado futuro…
Amo arrumar a cama, sem ela arrumada a minha casa interna não fica bem