Hoje, escrevi um textinho no lugar dos 10 itens do Hottest Takes. Quem sabe nas férias, na praia, no mato, na neve ou em casa, vocês topem ler :)
Nunca fui muito fã de inverno. Meus pés congelam, minha chance de desenvolver uma sinusite aumenta, minha fome triplica e a vontade de sair de casa diminui. Mas… a gente muda. E, pela primeira vez em mais de 15 anos morando em NY, estou feliz com a chegada do frio! Viajei muito em 2023, trabalhei demais, e essa energia hygge do fim do ano é tudo que eu precisava para minha staycation.
Estou lendo bastante, ontem fui ao Met vazio (!), e tenho feito cursos online sobre assuntos que me interessam. Dia desses, encorajada por uma dessas aulas, li o último episódio de Ulysses, de James Joyce. Nesse capítulo, o 18º, temos acesso ao fluxo de pensamento de mais de 50 páginas da Molly Bloom — mulher do personagem principal, Leopold, que está deitado na cama ao lado dela (de valete, como se vê na imagem abaixo).
Essa última parte, dedicada à meditação dela sobre o amor e a vida, começa com a palavra Yes e não tem pontuação — nem vírgula, nem ponto, nada. Para não dizer “nada”, há oito sugestões de parágrafos, mas sem letras maiúsculas — apenas pequenas entradas no início do texto, dando um espaço maior da margem.
(Cena do filme Molly Bloom)
Além me deliciar, fiquei chocada com a contemporaneidade do texto publicado mais de 100 anos atrás, na Irlanda. Até a falta de pontuação e de letras maiúsculas me lembrou o jeito que meus filhos adolescentes se comunicam por mensagem de texto! Molly é carnal. Descreve cenas calientes, sente tesão e pula a cerca mais de uma vez, inclusive naquele mesmo dia.
Antes de falar das últimas palavras do fluxo de consciência de Molly, queria contar o que esse livro despertou em mim. Convivo com ele desde 2007, mas nunca me arrisquei a lê-lo, apesar de ele morar numa prateleira minha. James Joyce tem fama de ser um autor difícil — inventa palavras como Guimarães Rosa no português —, e seu Finnegans Wake (livro seguinte, que levou 17 anos para ser escrito) tem fama de ser quase impossível de ler. Recentemente, um clube de leitura demorou 28 anos para concluí-lo, como contei na newsletter passada.
De todo jeito, quando me dediquei a ler o solilóquio de Molly senti um FOMO literário — claro que não pela primeira vez, mas talvez de uma forma mais específica. Pensei em todos os livros que já tenho aqui em casa — aos quais tenho acesso constante —, mas que ainda não li. Tem até aquela palavra japonesa tsundoku para se referir à pilha de livros não lidos que se forma em qualquer lugar. E como eles podem (e devem) guardar algumas das nossas páginas preferidas que ainda leremos na vida. Fiquei com ainda mais vontade de ler. E pensando: existem muitos parágrafos que ainda vão nos iluminar, que vamos querer grifar e que já estão bem pertinho de nós, esperando a hora mágica em que iremos devorá-los.
Mas seguem aqui, finalmente, as últimas linhas do livro (tradução em seguida):
Em português, tradução livre (só das últimas 5 linhas):
(…) e aí pedi a ele com meus olhos para pedir de novo e aí ele me perguntou se eu iria sim eu disse sim minha montanha flor e primeiro eu pus meus braços em volta dele sim e puxei ele mais pra baixo para que ele sentisse meus peitos todo perfume sim e seu coração estava indo à loucura e sim eu disse sim eu vou Sim.
A verborragia sexy de Molly se conclui com um ponto (finalmente) depois da palavra Yes [Sim]. Por ser a mesma palavra que marca o início do episódio, 50 páginas antes, há quem sugira que esse monólogo interno é como um ciclo, que acaba e se repete (a gente nunca para de pensar, né?). Para esse inverno — também um ciclo que sabemos que vai acabar e se repetir —, resolvi também falar Yes. Sim. Que nosso ano novo seja doce. Cheio de livros e de sins.
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PS: a história de como John Lennon conheceu (e se apaixonou por) Yoko Ono também envolve um Yes. Leia aqui.
Errata: a palavra japonesa é tsundoku. Ficou com um errinho de digitação para quem recebeu por e-mail.
Sim seu texto é uma delícia Muitos sins para você em 2024 Entusiasmo e frescor