1) Acompanhei ontem uma visita guiada pela curadora Ingrid Schaffner na exposição de Jason Rhoades. Entre vários carros que estão estacionados no térreo da galeria Hauser & Wirth, uma frase que ela disse ficou ecoando em minha cabeça: “carros são espaços para conversas íntimas”.
Na hora, me lembrei de alguma terapeuta (será que foi a Esther Perel?) dizer que para conversas difíceis, caminhadas e passeios de carro são ideais. Sem ter de encarar seu interlocutor — compartilhando o mesmo horizonte —, o bate-papo acaba ganhando ares de divã. Sem ser julgado pelo olhar do outro, a gente fica mais solto para falar.
Schaffner também contou que a velocidade máxima que esse carrinho atinge é de 45km/h. Quanta fofura!
2) Estou amando o último livro de Benjamin Moser — autor das bios de Clarice Lispector e Susan Sontag. Sua publicação mais recente trata dos Grandes Mestres holandeses, The Upside-Down World: Meetings with the Dutch Masters. Sobre a pintura de Fabritius, O Pintassilgo (que ganhou Pulitzer quando virou protagonista na saga de Donna Tartt, e depois, filme), ele disse:
Turistas com pressa, que veriam distraidamente um Potter, Steen ou Rembrandt de canto de olho, parariam diante do passarinho de Fabritius — como se aquele pequeno animal estivesse saindo da moldura para chamá-los. Ele emite uma força, uma atração real como a da gravidade, mas que eu não conseguiria descrever. Quando você para para vê-lo, se depara com uma pintura pequena de um pássaro pequeno — pintada com maestria, claro, mas assim como são todas as outras pinturas do [museu] Mauritshuis. Estude, leia sobre a tela, e ela será inevitavelmente reduzida.
E aí, sente-se no banco em frente a ela. Passe alguns minutos observando os espectadores. Veja se alguém não para em frente ao Pintassilgo. Estão todos sentindo alguma coisa, testemunhando algo que eles não seriam capazes de definir. O que mais poderia ser se não o carisma do pintor? Eles estão sentindo a grandeza da alma de quem pintou esse pássaro frágil.
Perfeição: The Goldfinch, 1654
3) Outro dia, uma professora de yoga leu esse gráfico numa aula — “ciclo da consciência”. Traduzindo livremente e editando um pouco, fica mais ou menos assim: vida normal > interrupção, mudança > confusão, caos > vazio fértil > descoberta de recursos internos e externos > integração > evolução a um novo estado > vida normal.
Ao ouvi-la, pensei imediatamente na jornada do herói, ilustrada aqui embaixo também. No fim, sempre voltamos — transformados — para o começo :)
Ou, como dizia minha avó: “vamos esperar essa confusão passar” (quando ela morreu, meu tio me disse “agora, sim, acabaram as confusões”).
4) Sou filha, neta, bisneta de pernambucanos. Além de fã de João Gomes, me comovo com a música nordestina desde que me lembro por gente. Mas não cresci ouvindo pisadinha/piseiro — os derivados mais jovens do forró.
Num estilo Gay Talese em “Frank Sinatra has a Cold”, Tiago Coelho fala da tristeza do cantor brasileiro na última edição da revista Piauí. Fiquei chocada ao descobrir que a mãe do JG é mais nova que eu — tem 42 anos! Alguns trechinhos abaixo:
Foram necessários apenas trinta dias para o cantor explodir e colocar dez músicas no Top 200 Brasil do Spotify. Três delas permaneceram por mais de sessenta dias entre as mais ouvidas na plataforma.
Depois de uma bateria de shows, João Gomes disse que queria fazer “algo bom” com seu dinheiro, mas não sabia o quê. “Sugeri que ele doasse 300 cestas básicas para sua quebrada (…). Ele foi lá e doou 3 mil”.
Vivia um momento de depressão profunda. “Ele dormiu pobre e acordou rico, com a obrigação de manter um monte de gente. O sonho dele era só gravar uma música”. E o que veio depois? Responsabilidades, tristeza e um monte de gente em cima.
Agora que teve um filhinho — recentemente postou fotos fazendo caminhadas com a família nos Alpes Suíços! —, parece estar mais tranquilo <3
João Gomes e sua colega Raquel dos Teclados, outra máquina de fazer hits — um deles com mais de 28 milhões de plays no Spotify!
5) “Somos outros, não somos mais o que éramos antes da calamidade de ontem” – Samuel Beckett
Começa assim o novo livro de Salman Rushdie (já estava louca para ler e com a recomendação da Carol Ruhman, fiquei ainda mais curiosa). Como estou em detox de compras até dezembro, fui passar uma tarde na livraria fuçando as prateleiras. Não conseguia largar Knife! E estou dividida (como a capa do livro hehe): será que leio versão impressa ou escuto em áudio narrado pelo próprio autor quando acabar meu projeto-sem-compras? Na contracapa, Rushdie diz:
Durante aquelas noites vazias e sem dormir, pensei muito sobre The Knife como uma ideia. A faca era uma ferramenta e adquiria significado a partir do uso que fazíamos dela. A linguagem também era uma faca. Eu poderia abrir o mundo e revelar seu significado, seu funcionamento interno, seus segredos, suas verdades. Poderia passar de uma realidade para outra. Poderia escancarar mentiras, abrir os olhos das pessoas, criar beleza. A linguagem seria minha faca. Se eu tivesse sido pego inesperadamente em uma briga indesejada de faca, talvez esta fosse a faca que eu poderia usar para revidar.
6) Estou tentando terminar de ler/ouvir livros que já tenho antes de arrematar os próximos — quase acabando o áudio de Ninth Street Women. Sobre as artistas Lee Krasner, Elaine de Kooning, Grace Hartigan, Joan Mitchell e Helen Frankenthaler. A história delas se mistura com a história da arte e com a história de Nova York Downtown.
A certa altura, Mary Gabriel conta que o crítico de arte italiano Bruno Alfieri disse que perto das pinturas de Jackson Pollock, Picasso parecia antiguidade. Para ele, “as telas do americano não representavam absolutamente nada: nem fatos, nem ideias, nem formas geométricas”. A geração dos Expressionistas Abstratos “trata de liberdade — não há representação, mas um embate entre o artista e a tela”, completa a autora.
Lee Krasner, “Combat”, 1965
6 1/2) “Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo” — José Saramago
7) Adorei esse episódio do podcast do Ezra Klein sobre atenção. Ele conversa com Gloria Mark, professora da Universidade da Califórnia e autora do livro Attention Span. Num dos trechos, a entrevistada conta que o filósofo Ludwig Wittgenstein adorava descascar batatas para pensar. No melhor estilo Eureka, ela garante que parte do sucesso da concentração máxima está em fazer pequenas pausas e desfocar um pouco. Acordamos com uma certa cota de “atenção para prestar” e, ao longo do dia, vamos gastando. Segundo Mark, o meio da manhã é o horário mais produtivo para a atenção da maior parte das pessoas.
Sol LeWitt’s Wall Drawing #260, 1975, no MoMA em 2008
8) Por falar em Eureka, para quem não conhece a historinha por trás da expressão, segue aqui, via Wikipedia:
A palavra “eureka” foi supostamente pronunciada pelo cientista grego Arquimedes (287 a.C. – 212 a.C.), quando descobriu como resolver um complexo dilema apresentado pelo rei Hierão II. O rei queria saber o volume de ouro em sua coroa. Arquimedes sabia que para isso deveria determinar a densidade da coroa e comparar com a densidade do ouro. O problema complicado era como medir o volume da coroa sem a derreter. Arquimedes descobriu a solução quando entrou numa banheira com água e observou que o nível da água subia quando ele entrava. Concluiu então que para medir o volume da coroa bastava mergulhar a coroa em água e calcular o volume de água deslocado, que deveria ser equivalente. Conta-se que ele saiu nu, correndo pelas ruas e gritando eufórico: “Eureka! Eureka!” (Achei! Achei!). "O Princípio de Arquimedes" foi como ficou conhecida a descoberta do grande cientista grego.
9) “Quero escrever um romance sobre o silêncio. Sobre as coisas que as pessoas não falam” — Virginia Wolf
10) Depois de ler o perfil de João Gomes na revista Piauí, fui pesquisar alguns dos nomes que ele cita e acabei encontrando mais uns outros. Confesso que faz 5 dias que só escuto piseiro:
Sempre incrível, sempre um baita presente!! Obrigada!! 🧡
Nem terminei de ler e já quis vir aqui comentar. Que newsletter incrível! Você não erra em uma, mas essa tá especialmente maravilhosa 🤯❤️ obrigada!