Cookies inspirados por Philip Guston — via Andrea Schwan
1) Ontem a Gigi Barreto veio passear comigo pelas galerias do Chelsea. Sou tão, tão fã do trabalho que ela faz com seu casavidacenario — vocês já seguem no Instagram? Ela era cenógrafa (fazendo todos os shows mais bambambãs do Brasil), quando veio a pandemia e ela foi obrigada a se reinventar.
Muito mais do que decorar espaços, ela “cria um mundo” pensando no dono da casa — sempre garimpando, reformando e reaproveitando móveis e objetos. E o que mais admiro nela — a generosidade ao compartilhar processos e fornecedores.
Foi a Chiara Banfi que nos apresentou, quando a Gigi estava decorando em NY o apê que tinha sido de David Bowie! Ajudei na busca por algumas das obras de arte. Corram lá espiar tudo de lindo que ela faz. Pura inspiração.
2) Voltei de Miami com uma nova paixão — as pinturas de Jacqueline Utley. Na galeria de Niru Ratman, a artista de 58 anos exibia suas telas pela primeira vez sendo representada por ele. Para ficar de olho.
3) Adoro as mensagens estóicas e outro recebi essa historinha por email:
Em 1922, enquanto um escritor inédito e esforçado chamado Ernest Hemingway cobria eventos na Suíça, sua esposa Hadley veio de Paris para vê-lo.
Presumindo que ele os desejaria, empacotou os escritos que Hemingway acumulara no apartamento deles: manuscritos, contos, poesia e um romance inacabado, era o trabalho de sua vida. Hemingway havia feito alguns contatos literários importantes em sua viagem e ela tinha certeza de que ele iria querer mostrar seu trabalho.
Enquanto esperava durante uma parada na estação ferroviária Gare de Lyon, Hadley saiu para tomar uma bebida e um jornal, apenas para descobrir, ao retornar, que a sacola contendo todos os manuscritos de Hemingway havia sido roubada. Foi uma perda enorme, quase insuportável. Anos de trabalho desapareceram num instante, impossíveis de recuperar.
Claro, você conhece o final da história de Hemingway e provavelmente pode adivinhar como esse “obstáculo” contribuiu para isso. Hemingway seria um dos maiores escritores de sua geração. A perda de seu catálogo anterior o forçou a começar do zero, levando-o em parte a reinventar seu estilo literário.
Mas... você sabe... não imediatamente. Hemingway escreveu uma carta logo após o incidente para Ezra Pound. “Suponho que você ouviu falar da perda da minha Juvenilia?” Hemingway disse. “Você, naturalmente, diria ‘Bom’ etc. Mas não diga isso para mim. Ainda não cheguei a esse clima. Trabalhei 3 anos nessas malditas coisas.”
É um fato que muito daquilo pelo qual nos desesperamos e resistimos acaba sendo bom para nós. Nós mudamos por causa disso, respondemos a isso. É disso que se trata o estoicismo. Ainda assim, isso não muda o desgosto. Isso não muda o momento.
4) Outro dia num podcast, uma das minhas autoras favoritas Rebecca Solnit recomendou o livro que mais gostou de ler em 2023: Awe. Acabei ouvindo outro podcast que entrevista o autor Dacher Keltner. Já encomendei o meu.
Awe [arrebatamento] é a sensação de estar na presença de algo vasto que transcende a sua compreensão do mundo
Louise Bourgeois, 1993
5) Quase morri com o documentário sobre a gravação do disco Elis + Tom. PQP, que dupla! Que química musical, que tensão no ar, quantas emoções… E o triângulo que se forma com Cesar Camargo Mariano, marido da cantora, fazendo os arranjos.
Assisti no cinema aqui em NY, mas agora já está disponível em algumas plataformas de streaming. Recomendo vivamente! Como disse meu amigo Eduardo Nazarian, “se a pessoa escuta Só Tinha de Ser com Você e não se comove, é porque a coisa está feia…”
6) Gente! E esse clube do livro que demorou 28 anos para concluir a leitura de Finnegans Wake, de James Joyce? Amei ler o artigo do NYTimes sobre a saga. Um dos leitores citou sua parte favorita, na penúltima página: “Primeiro a gente sente. Depois a gente cai” — “é a trama de toda vida humana”, ele reconheceu.
O primeiro sinal de que “Finnegans Wake” pode estar entre os livros mais desafiadores de que você já ouviu falar é sua linha de abertura, que começa no meio de uma frase.
O romance de James Joyce termina da mesma forma, sem ponto final. Alguns estudiosos dizem que a última linha volta ao início, simbolizando a natureza cíclica do tempo.
Na Califórnia, a vida imita a arte: um clube do livro que passou quase três décadas lendo o romance está começando tudo de novo.
“Não está terminado; é uma experiência contínua”, disse Gerry Fialka, cineasta experimental radicado em Venice, Califórnia, que fundou o grupo em 1995. O clube do livro se reunia uma vez por mês para ler uma ou duas páginas, e finalmente terminou em outubro.
7) Eu ri (de nervoso) com um tuíte que li esse dias:
A segurança dos aeroportos é insana até chegar na esteira de bagagens. A partir dali, você pode pegar a mala que quiser.
8) Programinha para o ano que vem: quase 35 anos atrás, Jenny Holzer criou um display LED em espiral para uma exposição do Guggenheim. A placa — piscando enquanto mudava de cor, fonte e efeitos especiais — era a mais longa do mundo na época de sua apresentação e é considerada uma obra-prima na arte feita em texto. De 17/5 a 29/9/2024, o Gugg apresenta a exposição Jenny Holzer: Light Line, uma releitura da instalação histórica de Holzer de 1989.
9) Por falar em arrebatamentos… Vejam que beleza essa descrição da artista Anne Truitt quando viu, pela primeira vez, um Barnett Newman (nem três banhos conseguiram acalmá-la!):
No Museu Guggenheim… vi meu primeiro Barnett Newman, um universo de tinta azul que me deixou imediatamente encantada. Todo o meu eu se elevou naquilo. “Basta” era meu sentimento radiante – pela primeira vez na vida, espaço suficiente, cor suficiente. Parecia-me que nunca antes tinha sido livre.
Mesmo correr no campo não me dava a mesma felicidade arejada. Eu não teria acreditado que isso fosse possível se não tivesse visto com meus próprios olhos. Essa abertura destruiu de uma só vez todas as minhas ideias insignificantes.
Cambaleei para a rua, embriagada pela liberdade, elevada a um reino que nunca sonhei que pudesse existir. Fui completamente pega de surpresa, ainda mais porque ainda naquele dia estava pensando em como me sentia como um campo arado, com meus filhos todos nascidos, minha vida traçada; vi-me estendida como terra em sulcos, aberta ao céu, bem plantada, a minha vida de ser humano completa…
Mesmo três banhos espaçados durante a noite não conseguiram acalmar minha mente, e em algum momento durante essas longas horas decidi, abraçando-me com determinado prazer, fazer exatamente o que queria fazer.
A ponta do equilíbrio entre o físico e o conceitual na arte me fez pensar sobre minha vida de uma maneira totalmente nova. O que eu sabia, perguntei a mim mesma. O que eu amei? O que foi que mais teve significado para mim dentro de mim mesma?
Os campos e árvores e cercas e tábuas e treliças da minha infância passaram pelo meu olho interior como se levados por um vento forte. Eu vi todos eles, detalhes e panorama, e meu sentimento por eles cresceu para me levar ao conhecimento de que eu poderia criá-los. Eu sabia que era exatamente isso que eu faria e como faria.
Anne Truitt, Daybook, 27 March 1975
Ateliê de Anne Truitt
10) A playlist de hoje é um mix do que escutei em Miami e continuo ouvindo aqui. Também recomendo a lista das melhores músicas de 2023 segundo o NYT, feita pelo Jon Pareles.
Eu vi a Jenny Holzer no Guggenheim de Bilbao e foi uma das exposições mais inesquecíveis da minha vida ❤️
Sonho ir na expo com você