1) Nesses dias em São Paulo fui visitar o ateliê do Pedro França. Recém chegado de uma residência artística no México, o artista começou a usar cerâmica para criar suas esculturas de chão e parede. Muitas vezes queimadas no fogo — e não nos fornos industriais tradicionais —, as peças ganham variações de cor interessantíssimas. Adoro a pureza dos trabalhos quando ainda estão no estúdio do artista, como sugeriu Daniel Buren. A nossa troca de ideias foi rica e inspira grande parte da newsletter de hoje.
2) Uma das inspirações de Pedro para essa nova série de trabalho foi a lenda da sopa de pedras, que compartilho aqui (via Wikipedia) porque amei muito escutá-la:
Um frade pobre, que andava em peregrinação, chegou a uma casa e, orgulhoso demais para simplesmente pedir comida, pediu aos donos da casa que lhe emprestassem uma panela para ele preparar uma sopa – de pedras... E tirou do seu bolso uma bela pedra lisa e bem lavada. Os donos da casa ficaram curiosos e, de imediato, deixaram entrar o frade para a cozinha e deram-lhe a panela. Ele colocou a panela no fogo só com a pedra, mas logo disse que era preciso temperar a sopa... A dona da casa deu-lhe o sal, mas ele sugeriu que era melhor se fosse um bocado de chouriço ou toucinho. Então, o frade perguntou se não tinham qualquer coisa para engrossar a sopa, como batatas ou feijão que tivessem restado da refeição anterior... Assim se engrossou a sopa “de pedra”. Juntaram-se cenouras, mais a carne que estava junta com o feijão e, evidentemente, resultou numa excelente sopa. Comeram juntos a sopa e, no final, o frade retirou cuidadosamente a pedra da panela, lavou-a e voltou a guardá-la no seu bolso... para a sopa seguinte!
3) Outra coisa maravilhosa que aprendi com Pedro ontem foi a origem da palavra academia — tanto para a de ginástica, quanto para a do mundo acadêmico.
A “Academia de Platão recebeu o nome do local onde seus membros se reuniam, a Akadēmeia, uma área fora das muralhas da cidade de Atenas que originalmente abrigava um bosque sagrado e, mais tarde, um recinto religioso e um ginásio público. No século 5AC, os terrenos da Academia, tornaram-se um local de discussão intelectual, assim como de exercícios e atividades religiosas.
Nada como caminhar para estimular o pensamento: academia na academia :)
Plato's Academy mosaic – from the Villa of T. Siminius Stephanus in Pompeii.
4) Comentei com Pedro como me sentia aflita por ter de falar sobre Manet na minha palestra (de ontem) — um artista tão importante, tão estudado por todas as mentes mais brilhantes, tão fundamental na história da arte e… quem sou eu para ensinar qualquer coisa sobre ele? Pedro elaborou a melhor resposta:
Dar uma aula não é necessariamente explicar, mas compartilhar perplexidades. Na filosofia, não somos donos do conhecimento, mas “amigos” dele.
Filosofia: philo quer dizer amizade e sophia, sabedoria.
Detalhe de Young Lady 1866
5) Mas para não falar só das artes… estou de olho nessa nova collab da Uniqlo X Anya Hindmarch:
6) Outro dia caí numa antiga entrevista de Pedro Bial com Maria Bethânia em que ela recita um trecho do Poema Sujo (←clique para ver o vídeo), de Ferreira Gullar. De arrepiar:
bela bela mais que bela
mas como era o nome dela?
Não era Helena nem Vera
nem Nara nem Gabriela
nem Tereza nem Maria
Seu nome seu nome era...
Perdeu-se na carne fria
perdeu na confusão de tanta noite e tanto dia
perdeu-se na profusão das coisas acontecidas
mudou de cara e cabelos
mudou de olhos e risos
mudou de casa e de tempo
mas está comigo está
perdido comigo
teu nome
7) Tema da Flip que acontece agora, de 22 a 26/11, em Paraty:
Em 2023, a Flip segue em busca da criação de outras formas de visitar as paisagens de dentro e de fora. A festa encontra a energia do movimento do corpo que liberta, respira, age e sente. Com os nossos corpos encontramos os sons, os sabores e as imagens que se apresentam em cada ponto do percurso, pessoal e coletivo. Como o corpo que mergulha ou que boia no mar, sentindo a emergência da onda e a oscilação das marés. Como o corpo que encontra a si, a multidão ou o outro. O corpo que não é refratário ao que o atravessa, e que não ignora o som e a passagem dos acontecimentos e dos seres com quem divide o espaço, como as aves, as montanhas, as florestas. Mais do que o local de partida e de chegada, interessam os deslocamentos. Tal como o corpo, nesse movimento interessam o vagueio, a deriva, a falta de destino, o imprevisível, a tentativa de tradução e o erro.
8) Mais uma frase de Haruki Murakami pra gente:
Eu aguento qualquer dor, desde que tenha sentido.
9) Clarice Lispector via Desculpe a Poeira:
10) A playlist de hoje é toda de bossa nova — estava montando desde que vi aquele show-homenagem no Carnegie Hall. Só os clássicos!
Fiquei bem tocada quando você fala da pureza dos trabalhos , eu acho que o Mundo está precisando desta pureza, do simples , enfim divagações