Cerâmica de Claire Lindner, Buisson nº2
1) O Loewe Foundation Craft Prize — traduzido livremente como “Prêmio de Artesanato da Fundação Loewe” – está apresentando até domingo em Nova York, no museu Noguchi, os trabalhos dos 30 finalistas do concurso. Foram milhares de inscrições feitas entre julho de 2022 e janeiro deste ano, quando um painel de especialistas anunciou os favoritos — escolhidos com base na técnica, inovação e visão artística. Estive lá fim de semana passado e achei chocante — muitas vezes é difícil decifrar o material usado e ler as plaquinhas informativas deixa a gente ainda mais confuso! Desacreditei que a obra premiada é de cerâmica :0
Como questionou Fran Lebowitz, por que chamar de craft (artesanato) e não arte?
Esculturas em vidro de Lene Bødker
A peça premiada, a artista Eriko Inazaki e um detalhe (incrível, não?) da cerâmica
2) Sou gamada no trabalho da Jac Leirner e fui finalmente conferir a primeira exposição institucional dela em NY, no Swiss Institute. A artista acumula e organiza em pilhas, camadas e fileiras uma seleção de objetos do dia-a-dia colecionados ao longo dos últimos 40 anos. Controlado e compulsivo, o processo de Leirner acaba misturando o pessoal e o político — há desde lixas de unha e cartões de visita até carrinhos vintage de servir comida em avião e notas de dinheiro. Materiais sem valor ganham aura sublime e a forma como tudo é organizado dá tesão visual. E ainda há senso de humor — difícil não abrir um sorriso diante das peças de LEGO empilhadinhas. Só coisa boa! Até 27/8.
Blue Phase, 1992, notas de dinheiro brasileiro
Nice to Meet You (NYC Scene), 2023, detalhe dos cartões de visita
3) Estou indo passar parte das férias (escolares dos meus filhos) com um grupo de amigos na Bahia. Animada, encomendei alguns jogos. Fiquei especialmente curiosa para experimentar “Qual é a Música?” e “Who Can Do It?”. E vocês? Tem alguma dica de jogo pra dar? Deixe aqui nos comentários :) Não preciso nem falar que vai rolar muito Papelitos, né?
4) Estou amarradona num livro sobre Qi — a energia vital segundo os chineses (para quem é da yoga, Qi equivale ao prana). Outro dia, li em voz alta um trecho para meus filhos que praticam natação e futebol (traduzido e adaptado livremente):
Curiosamente, as Três Correções Intencionais [postura, respiração e foco] são usadas por campeões e super-estrelas para começar ou se preparar para participar de qualquer coisa, desde dar uma palestra ou ganhar um campeonato mundial, até praticar Kung Fu e tomar decisões executivas. Imagine que é a sua vez de bater um pênalti na Copa do Mundo. Você se aproxima da área, planta cuidadosamente os pés na grama, posiciona o corpo para maximizar a potência do seu chute, respira fundo, relaxa e se concentra. Isso o coloca na zona de alto desempenho — idêntica ao estado de Qi. Para chegar lá, você usou [postura, respiração e foco] .
Imagine que você vai acertar uma tacada de golfe ou um lance livre no basquete — milhões de dólares em jogo. Você ajusta cuidadosamente seus pés e sua postura corporal, aprofunda e relaxa sua respiração, e limpa sua mente para um foco nítido e cai na zona do estado de Qi. A base essencial do Qigong passa a ser a mesma base essencial para qualquer tipo de atividade de alto desempenho.
5) A crítica de moda Suzy Menkes contou em seu Instagram que esse [anti-]desfile deixou a plateia de fashionistas em “silêncio absoluto e com véus de lágrimas”. Dois anos depois de perder sua mãe, o designer Olivier Saillard resolveu estudar o guarda-roupa dela. Na contramão dos desfiles de moda típicos:
“Aqui não há pódio, nem música, nem horda frenética de fotógrafos. Mais importante, nada aqui está à venda. Longe da agitação e dos excessos da Fashion Week, a roupa de Renée é a quinta coleção da “Moda Povera”, um projeto educativo de Olivier Saillard, sendo este dedicado à sua falecida mãe. A performance é uma experiência íntima e atemporal, reminiscente do estilo discreto dos desfiles de moda de antigamente.
Inspirado na Arte Povera, movimento vanguardista dos anos 1960 que privilegiava o uso de materiais simples, muitas vezes naturais ou reciclados, o estilista descola, costura e transforma as roupas de sua mãe, em novos looks com técnicas de alta costura. Exatamente por se tratar de roupas modestas e humildes que ela comprava em zonas industriais, uma forma de aristocracia emerge do cuidado com que as tratou. Além disso, o desgaste das peças se tornava uma espécie de bordado."
Moda Povera V, Renée’s garments foto via Suzy Menkes
6) “A Beleza de Andar e Falar” — adorei a introdução desse texto que recebi numa newsletter do New York Times:
Por Jancee Dunn
Esta semana, estamos caminhando e conversando, passeando com alguém — um amigo, um membro da nossa família, um vizinho ou um parceiro — para aprofundar nosso senso de conexão.
Algumas das minhas conversas mais gratificantes aconteceram a pé. As trocas parecem fluir com mais facilidade, como se nossos passos marcassem o ritmo de nossa fala. Mas pode haver uma razão mais simples que atrai as pessoas: a pesquisa mostra que é menos estressante falar com alguém quando você está andando lado a lado, com o mínimo de contato visual, do que conversando cara a cara.
“Ao caminhar ao lado de alguém, uma conversa se torna um jogo paralelo”, com cada pessoa “olhando para frente, mas conectada pela troca”, disse Esther Perel
7) Como não amar NY? Sabiam que há um museu na cidade dedicado ao mundo dos pôsters? No momento, está em cartaz na Poster House até 10 de setembro, a exposição Made in Japan: 20th-Century Poster Art:
O design do pôster japonês reflete a cultura visual rica, a tradição da gravura do país e foi usado ao longo do século 20 para representar a nação para o público doméstico e internacional. Duas guerras mundiais, além da rápida industrialização, urbanização e ascensão da mídia de massa transformaram fundamentalmente o Japão moderno, e sua jornada específica como agressor e vítima da guerra aumentou os esforços da nação para renovar sua imagem. Nesse contexto, os cartazes tornaram-se uma forma de arte comercial essencial que fundiu a identidade moderna com o consumismo, espelhando e moldando os valores sociais, políticos e ideológicos da época.
8) Li esses dias o livro brasileiro O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório. Em certo momento, o pai do narrador dá uma sugestão do que ele deve fazer para “fisgar a Saharienne, uma guria inteligente”. E segue: “Eu te empresto meu livro O Jogo da Amarelinha do Cortázar, você copia o capítulo 7 à mão e dá pra ela.”
Fui lá correndo pescar o capítulo 7, que segue aqui caso tenham ficado curiosos como eu:
Jogo da Amarelinha, Capítulo 7
“Toco a tua boca, com um dedo toco o contorno da tua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez a tua boca se entreabrisse e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que a minha mão escolheu e te desenha no rosto, uma boca eleita entre todas, com soberana liberdade eleita por mim para desenhá-la com minha mão em teu rosto e que por um acaso, que não procuro compreender, coincide exatamente com a tua boca que sorri debaixo daquela que a minha mão te desenha.
Tu me olhas, de perto tu me olhas, cada vez mais de perto e, então, brincamos de ciclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se tornam maiores, aproximam-se, sobrepõem-se e os ciclopes se olham, respirando indistintas, as bocas encontram-se e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se nos teus cabelos, acariciar lentamente a profundidade do teu cabelo enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragrância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce; se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu te sinto tremular contra mim, como uma lua na água.”
(Julio Cortázar, O Jogo da Amarelinha. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. Tradução de Fernando de Castro Ferro)
9) Guimarães Rosa impecável:
O correr da vida embrulha tudo,
a vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem
(Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994)
10) Hoje a playlist quem fez foi Thomas, meu marido <3. A seleção homenageia músicos e compositores que partiram recentemente:
amiga falando em pôster o museu estadual de brandemburgo tem uma colecao enorme dedicada a pôsteres da alemanha oriental, acho que vais curtir: https://www.blmk.de/ (tudo em alemao kkk mas vale olhar as figura!)
Que texto do Cortazar! Obrigada por ter reproduzido ele aqui, “brincamos de ciclope” foi sensacional. Sobre os jogos, Dixit é muito bom!! Tb me falaram do Catan que quero conhecer