RIP Françoise Gilot — foto perfeita de Robert Capa, Picasso and his wife, Françoise Gilot, Golfe-Juan, France, 1948
1) Há poesia no improviso. O trabalho do mexicano Abraham Cruzvillegas carrega algo de cru, precário, gambiarrento e instável, mas expressa o que há de mais humano, simples e potente nas coisas do mundo. Inspirado por sua infância e pela forma como sua família foi construindo puxadinhos ao longo dos anos, Cruzvillegas se liga muito na ideia que ele chama de autoconstrucción, construindo a partir de necessidade, com instinto de sobrevivência, com aquilo que estiver disponível — seja reciclado ou adaptado. Para ele, esse processo tem tudo a ver com a maneira como construimos nossa identidade. Numa entrevista, na época de seu Empty Lot no Turbine Hall da Tate Modern, ele disse: “sou um escultor. Acho tudo bonito e acredito que tudo possa conviver com qualquer outra coisa (…) independente das diferenças. Isso é togetherness. Sou um escultor trabalhando com essa “união.”
2) Essa construção da identidade e essa ode à gambiarra me lembram o projeto fantástico de Alejandro Aravena, vencedor do Pritzker de 2016, “Half a Good House." O arquiteto chileno projetou um conjunto habitacional e construiu apenas “meia casa”. A segunda fase, feita com o tempo pelos moradores, incorpora o estilo de cada um e sugere um elogio ao improviso. Poesia social.
3) Recentemente, o NYTimes publicou um manual de etiqueta em vôos. Alguns destaques:
cuidado ao reclinar sua poltrona. Laptops já foram quebrados, drinks já foram derramados. Não custa nada olhar pra trás e avisar que vai deitar um pouco seu encosto :)
o compartimento acima da poltrona não é seu joguinho pessoal de Tetris. É ok deslizar bagagens para acomodar outras, mas deixe que os comissári@s finalizem a arrumação caso seja necessário ou falte lugar
use fone de ouvido! Ninguém quer ouvir sua conversa no FaceTime, seu videogame, filme ou TikTok
quem senta no meio tem direito aos dois apoios de braço — é o prêmio de consolação para quem senta naquele lugar tão injusto
não — você não tem obrigação de mudar de poltrona caso alguém peça. A não ser que seja um assento melhor, claro
Nancy Rubins, 2002
4) Já falei aqui da minha amiga, a psicanalista Helena Cunha. Nessa semana, ela publicou um texto sobre Pessach, amor e memória na revista Amarello. Clique aqui para ler a íntegra e veja abaixo um trechinho aconchegante que me comoveu:
Uma vez, uma atriz me contou de uma conversa com Elke Maravilha na qual ela disse: “Quando damos a vida a alguém, damos também a morte”. Isso é inevitável. A despedida sempre está lá, mas aquilo que fica daqueles que passam por nós, enquanto existirmos não passa jamais. Fica dentro de nós, como uma estátua concreta, imune às tempestades, erguida na praça do nosso coração.
Kiki Smith, 2006
5) Por falar em textos de psicanalistas, gostei de ter lido o último livro de Contardo Calligaris, O Sentido da Vida. Abaixo, duas passagens que deram nó na minha cabeça e aqueceram meu coração:
Logo [meu pai] me respondeu: “Por mais que haja livros, por mais que a gente leia ou escreva, sempre haverá buracos nas estantes (…) daí ele concluiu: “há livros que são escritos para tapar os buracos da estante, e há livros que são escritos para preservar os buracos na estante.”
(…) Esse livro se chama Holzwege, que significa “caminhos que não vão para lugar algum”. Holzwege são, em alemão, os caminhos na floresta abertos pelos lenhadores para poder transportar os troncos depois do corte: por esses caminhos não se vai para lugar algum, só se entra na floresta até chegar a um ponto de onde só dá para voltar. Deveríamos todos percorrer com alegria, na nossa cultura e no nosso pensamento, caminhos que não precisam ir a lugar nenhum, que apenas nos dão acesso a alguns buracos na floresta.
6) Farra no parque! A inglesa Phyllida Barlow (1944–2023) criou PRANK pouco antes de morrer, em março desse ano, especialmente para o City Hall Park, com curadoria do Public Art Fund. Vários quase-coelhos desafiam a gravidade se equilibrando em escadas, agarrados a objetos e se pendurando no topo de estruturas esquisitonas, como se estivessem aprontando alguma, ou fazendo um show de mágica. Fica até 26 de novembro.
7) Outra exposição que está dando o que falar em NY é It’s Pablo-matic: Picasso According to Hannah Gadsby, no Brooklyn Museum. Picasso disse: “Você pode ter todas as perspectivas de uma vez só!” Que herói. Mas me diz, alguma dessas perspectivas é a de uma mulher? Bom, então não estou interessada,” disse a comediante Hannah Gadsby, que ficou conhecida por conta de seu stand-up Nanette, no Netflix. Cinquenta anos depois de sua morte, Pablo Picasso (1881-1973) continua sendo um ícone da cultura. Na mostra “Pablomático” a australiana examina o legado do artista sob um olhar mais crítico, contemporâneo e feminista, ao mesmo tempo em que reconhece o poder transformador e a influência de sua obra. Curiosa pra ver!
8) O movimento no-wash não pára de crescer… a nova onda na moda é lavar cada vez menos suas calças jeans — alguns esperam usar 150 vezes, ou um ano, antes de colocar na máquina de lavar, enquanto outros dizem não lavar nunca… A estratégia tem apoio até mesmo do CEO da Levi’s! A tendência, mais popular entre os rapazes, vem para compensar a cultura do “lavar qualquer peça de roupa depois de usar uma vez só”. O especialista em sustentabilidade fashion, Mark Summer, explica: “Não queremos que as pessoas pensem que não podem lavar as coisas porque estão destruindo o planeta – trata-se de tentar encontrar o equilíbrio.” Stella McCartney, que está sempre à frente quando o assunto é moda ecologicamente correta, disse em 2019 que "basicamente, na vida, a regra geral é: se não está sujo, não lave. Eu não troco meu sutiã todos os dias e não jogo coisas na máquina de lavar sem motivo.”
9) Não sei se foi porque me lembraram o mobiliário de Lina Bo Bardi, ou se porque remetem à bandeirinhas de São João, mas me apaixonei por essas cadeiras de Cesare Leonardi, série SOLDI, dos anos 80:
10) Junho em NY é como dezembro em SP. Aquele clima de fim do ano escolar, de que “vem chegando o verão.” Fiz a playlist pensando nessa alegriazinha leve somada à desaceleração que o calor começa a pedir. Vem ouvir e… bom feriado!
PS: Você já segue meus Instagrams? São 3, @giselagueiros @giselaprojects e @ceramicsbygisela :)
Gisela, oi! Li tomando meu café, que maravilha. Da newsletter de hoje, apenas Picasso e Lina mencionados conheço e já li muito sobre. Os demais mencionados todos novos, aprendizagem, uma aula. Obrigada por compartilhar boas inspirações, reflexões e aulas. 🙏🏻💚