Henri Rousseau
Qual é o seu mato?
Outro dia o DJ Zé Pedro comentou uma declaração de Anitta em seu Instagram. A chamada dizia: aos 40 anos, Anitta se projeta com um ou dois filhos, morando no meio do mato”. Em seu post, Zé replica: “viver no mato? Nem pensar, morro de medo de ficar sem wi-fi.”
Quando li isso, me lembrei do começo da pandemia aqui em NY, quando todo mundo que pôde, se mudou “para o mato.” Muitos estão até hoje lá, na belíssima região de Hudson Valley.
Nessa época, até passei longas temporadas na praia, aqui perto em Connecticut ou Long Island, mas sempre com saudade expressa da cidade grande. Escapadas para a natureza são salva-vidas para quem mora na cidade. Um banho de mar, uma trilha na montanha e aquela água fria da cachoeira são reenergizantes. Mas…
Como Zé Pedro, sou urbana. Viciada em gente, em cultura, em museus, teatros, livrarias, em diferentes opções de programas, música ao vivo. Poderíamos até arriscar dizer que estar isolado no meio do mato não classifica como “estar na natureza” — já que natureza é, também, estar com gente. Nós somos a natureza, nós damos sentido aos espaços, nós trocamos ideias, compartilhamos experiências.
Em Nova York, quando entro no metrô, já me sinto diante de biodiversidade. O termo, cunhado por Tom Lovejoy, obviamente se refere à fauna e a flora, mas gosto de pegá-lo emprestado para falar de gente.
Uma das minhas coisas favoritas em museus é ver gente vendo arte. No banco do transporte público gosto de examinar os contrastes: a menina de maiô e canga indo para a praia nos Rockaways, sentada ao lado do judeu ortodoxo que vai para a sinagoga, o aluno da NYU com seu livro embaixo do braço filosofando sobre o zeitgeist. Mais pra frente, pode entrar uma senhora latina segurando a mão de seu neto. Ou ao abrir a porta: uma banda de senhorezinhos animados do Harlem tocar I’ll Be There.
Ler um livro também equivale a se deparar com a natureza (humana). Ao mergulhar num livro, entramos na cabeça de alguém e, por um tempo, podemos pensar o pensamento dela. Emprestamos nosso corpo para outras histórias, para outros lugares e paisagens. Somos multidões.
Roubando a poesia daquela frase que diz “saudade aqui é mato”, me entendo como uma apaixonada por cidades, onde “gente é mato” — não só no sentido de crescer como capim e de existir em abundância, mas no sentido de ser, também, uma paisagem. Uma selva de existências que também pode nos reenergizar.
que bonito, giso
Esta edição me deixou morrendo (mais ainda) de saudade de NY! Mas to com você com Zé Pedro: mato, nem pensar! Mas o Rio, que tem o urbano de um lado e a praia de outro, de fato é meu mundo ideal – porém sigo no modo "sendo feliz em SP" por enquanto!