Biombo inspirado por Pompeia e Elsa Schiaparelli
1) Passei quase duas semanas na índia e acho que vão alguns meses (anos? décadas? uma vida?) até digerir tudo que vivi lá. Pensei em dedicar uma edição toda à experiência, mas fico com medo de espantar quem não tem interesse no assunto.
Teve um dia radical, na cidadezinha de Pushkar, na beira de um lago sagrado, em que assistimos ao Maha Shivarati — uma parada celebratória em homenagem a Shiva. O chão estava 100% coberto por flores. A cada dez passos, a trilha sonora mudava — eram mantras, cítaras, flautas, pratos… Os cheiros eram os mais variados — um mix das pétalas que forravam o solo com incensos e fumaça, comidas e temperos, e claro, vaquinhas.
A sensação era a de um bloco carnavalesco-espiritual idealizado por Björk e Gilberto Gil, onde todos os participantes estavam presentes e alertas — com um ar doce de quem está pleno, mas com sangue nos olhos. Uma pureza intensa. Um gostinho no Reels abaixo:
Todos os dias da viagem contaram com aulas de Pedro Kupfer. Sua fala que mais reverbera até agora por aqui: “prestar atenção não é pensar”. E nessa semana ouvi o episódio mais recente do podcast Elefantes na Neblina e a “escuta ativa” também foi assunto lá. Que tal tentar “pensar o pensamento do outro” ao invés de escutar já pensando naquilo que você quer falar, ou no ponto que você quer provar"? Desafio para todo dia, para toda vida.
Impossível não cantarolar Jorge Ben Jor.
2) No marasmo cinematográfico do pós-Oscar, tinham mais dois filmes que eu queria muito ver. Zone of Interest — que pancada! — e Perfect Days — que filme delicado! Sobre Perfect Days: recomendo vivamente. O longa está nos cinemas e, aqui em NYC, nas plataformas de streaming também.
Quase sem diálogos, com direção de Wim Wenders, a história trata a música (as fitas cassete), a rotina, os livros, as fotos e as árvores como personagens. A subjetividade, as emoções e as histórias de cada um, cabe a nós imaginar. Como disse meu irmão ao descrever sua impressão: “É sobre presença, sobre caminho, sobre aquilo que há de mais essencial no nosso dia-a-dia”. Adorei.
Já viu? Gostou?
3) Voltando rapidamente à Índia, adorei descobrir o conceito de parikrama (me lembrou algo que contei aqui umas edições atrás sobre os filósofos gregos que caminhavam num bosque chamado Academia).
Parikrama ou Pradakshina é a circunvolução — no sentido horário — de entidades sagradas, o caminho ao longo do qual isso é realizado, prática das religiões indianas - Hinduísmo, Budismo, Sikhismo e Jainismo.
4) “Não vejo diferença entre um poema, uma escultura, um filme, ou uma dança”, é o que diz Joan Jonas, artista que acaba de virar tema de exposição no MoMA.
Em cartaz até 6 de julho, Joan Jonas: Good Night Good Morning apresenta desenhos, fotografias, cadernos, histórias orais, filmes, performances e instalações da artista. Os trabalhos abordam temas que vão desde alterações climáticas até parentesco entre espécies. “Apesar do meu interesse por história, meu trabalho sempre acontece no presente”, explica ela.
A marca Rachel Comey criou uma coleção em parceria com a artista, especialmente para a mostra.
5) Frase deslumbrante de Ursula LeGuin:
A ciência descreve por fora com precisão, a poesia descreve por dentro com precisão. A ciência explica, a poesia implica. Ambos celebram o que descrevem.
No original: Science describes accurately from outside, poetry describes accurately from inside. Science explicates, poetry implicates. Both celebrate what they describe.
Foto via NASA
6) Amanhã embarco para São Paulo já com um olho no MASP, louca pra ver a exposição de Francis Bacon. Curiosamente, meu livro de cabeceira é aquele das entrevistas de David Sylvester com o artista irlandês. É cada pérola! Já até desisti de grifar. Olha esse trechinho que valioso:
Bem, há dias em que você começa a trabalhar e o trabalho parece fluir com muita facilidade, mas isso não acontece com frequência e não costuma durar muito. E não sei se é necessariamente melhor do que quando algo acontece devido à sua frustração e desespero.
Acho que, muito possivelmente, quando as coisas vão mal você fica mais livre com a maneira como você tem menos medo de refazer e mexer nas imagens que está pintando, e faz isso com um abandono maior do que se as coisas estivessem funcionando superbem para você. E, portanto, penso talvez que o desespero seja mais útil, porque por causa do desespero você pode acabar criando a imagem de uma forma mais radical, assumindo riscos maiores.
Toma essa!
Three Studies for a Crucifixion, 1962
7) Outro dia o NYTimes fez um artigo com 12 sugestões de como usar menos plástico descartável. Vou replicar algumas das dicas aqui:
_reutilize, não compre novamente
_pense: será que realmente preciso disso?
_cozinhe mais em casa, peça menos delivery
_ande com uma sacola dobrável (o primeiro leitor a me visitar na SP-Arte semana que vem e falar que é leitor(a) assíduo(a) dessa newsletter, vai ganhar uma tote Gisela Projects!)
_tome café em casa, evite copos descartáveis ou leve sua caneca reutilizável
_pare de fumar. Bitucas de cigarro são fonte de muito do plástico descartado no meio ambiente, assim como os dispositivos de vape
PS: por falar em NYT, estou completamente viciada no novo jogo deles, Strands, ainda em versão Beta.
8) Acabou de fechar aqui em NYC a exposição Making Their Mark, que apresentou pela primeira vez a coleção da indiana radicada na Califórnia, Komal Shah. Com curadoria de Cecilia Alemani (do High Line e da última Bienal de Veneza) e foco em artistas mulheres, a mostra é de deixar qualquer museu de arte contemporânea com inveja. Passei mal! Muitas das minhas favoritas da vida: Maria Lassnig, Simone Leigh, Lynda Benglis, Mary Heilmann, Laura Owens, Charline von Heyl, Amy Sillman, Etel Adnan, Joan Mitchell, Howardena Pindell, Sarah Sze, etc, etc e tal. Vale fuçar.
9) Delirando de amores pelo trabalho da Cressida Jamieson. Os bordados mais delicados — em guardanapos, em mangas de camisas, em pijamas e em porta copos. Se ela morasse qui mais pertinho, eu já teria encomendando alguma coisinha :)
PS: Dia 10 de abril, serei a convidada do NAZA Talks (que honra!), novo projeto da Paula Nazarian, dona dessa newsletter. O papo vai rolar lá no Pivô, a partir das 18h, em parceria com a Pinga. Vamos falar sobre sermos pessoas plurais ou “multi-hífen” (esse povo que faz várias coisas, e tá tudo bem!). Para participar, mande um e-mail para info@naza.global
10) Gente, não tenho como escapar das influências indianas. A playlist está toda nessa vibe, mas com algumas músicas mais “gitanas”, outras africanas, uma japonesa do filme Perfect Days e outras por amor ao show do Rodrigo Amarante que fui sábado. Só para dar uma quebrada no clima Rajastão.
Nossa quanta coisa vai acontecer por aqui em Abril …. Ja estou aqui praticando a « leitura ativa » rs….SP arte, NAZA Talks ….
Gi, adoro seus escritos! Orgulhosa q todos os passos para reduzir uso de plastico ... ja pratico. inclusive somos os loucos q levam containers de vidro na sacola pra restaurante pra trazer pra casa as sobras sem ter q pedir container descartavel. Nick diz - Ciça os garcons vao achar que nos comemos os ossos e eu digo q ninguem liga - so ele, Nick, q tem um gene de detetive hahaha.